sexta-feira, 10 de setembro de 2021

TONINHO DO PT, ABRINDO AS PORTAS DO PALÁCIO

 

 
 
 


 
 
Não era para eu ir ao Palácio dos Azulejos naquela manhã de março de 2001. Estava de férias, mas precisei ir buscar a filmadora que havia esquecido em minha sala de trabalho.
Cheguei muito cedo, peguei a câmera e quando estava saindo do prédio encontrei o prefeito Toninho do PT, acompanhado de alguns assessores, que ao me ver disse: "Bom dia, vamos abrir o Palácio! Entra comigo".

Eu não fazia ideia do que ia acontecer, mas, aceitei o convite, liguei a filmadora e o segui.
Toninho entrou e foi abrindo as portas e janelas da sala que foi ocupada como gabinete oficial dos prefeitos de Campinas entre 1908 e 1968.

Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, era arquiteto e militante político, mas, principalmente, um conhecedor da história e das questões políticas, sociais e econômicas de Campinas. Por isso, naquela manhã de março de 2001, pouco mais de dois meses após tomar posse como prefeito, organizou um ato singelo para marcar a forma como sua gestão se diferenciaria das anteriores.

Não por acaso o lugar deste ato foi o Palácio dos Azulejos. Com fachada imponente, o palacete foi construído pela elite cafeeira em 1878, um símbolo de luxo e ostentação do baronato; em 1908 foi vendido para a municipalidade e passou a ser local do gabinete dos prefeitos republicanos. Com o crescimento urbano, o Palácio passou a ser de fácil acesso à população.

No final da década de 1960, com a ditadura e o recrudescimento das lutas sociais, os dirigentes públicos decidiram transferir a sede da prefeitura para um lugar afastado da rua, longe dos olhos e das vozes da população. Foi construído então outro palácio, o dos Jequitibás, localizado em terreno recuado do passeio público, com o gabinete do prefeito instalado muitos metros longe da rua.

No entanto, este outro gabinete não escapou das lutas de resistência; nas décadas de 1970 e 1980, os integrantes da Assembleia do Povo - movimento por moradia e participação popular na gestão pública - periodicamente ocupavam as escadarias e a entrada do novo Palácio. O jovem arquiteto e militante Toninho estava entre eles,  vivenciou a força das ações simbólicas, como estratégia para fazer luta política pelo direito de todos à vida digna e à participação nas decisões públicas.

Em razão disso, em 2001, quando foi eleito prefeito escolheu reverter o significado dos dois Palácios: o dos Azulejos, edificação que exemplifica o poder da elite, e o dos Jequitibás, que materializa o distanciamento dos gestores públicos da defesa dos direitos da população.

Neste propósito, um dos seus primeiros atos públicos foi a instalação de um gabinete mais próximo do povo; além do já existente no terceiro andar do Palácio dos Jequitibás, na Av. Anchieta, instalou um outro, no Palácio dos Azulejos, na mesma sala ocupada pelos prefeitos em décadas passadas, cujas janelas ficam rente à calçada da Rua Ferreira Penteado, no centro da cidade.

Ao instalar esta outra sala de trabalho e abrir suas janelas coladas na rua, Toninho não almejava somente uma simbólica mudança de endereço, mas sim transformar as reais formas de ocupar o lugar de poder e a função pública de prefeito, para realizar mudanças concretas nas práticas políticas na cidade.

Seu ato sintetizou a decisão de ampliar e garantir o poder popular na gestão da cidade e dos recursos públicos.

Toninho foi assassinado em 10 de setembro de 2001, mas o significado do ato feito por ele naquela manhã de março de 2001 continuou vivo.
Após 20 anos de seu assassinato, seu gesto permanece vivo em todos os que seguem clamando por justiça e lutando por poder popular e uma sociedade igualitária.

A LUTA CONTINUA. TONINHO, PRESENTE, HOJE E SEMPRE!

Sônia Aparecida Fardin 


obs: Esse meu texto é antigo, mas nossa luta também! Virou uma cerimonia anual em homenagem a todos os que seguem a luta por justiça.

- 01 de janeiro de 2001, tomam posse Antônio da Costa Santos (Toninho do PT) e Izalene Tiene - prefeito e vice de Campinas.
- 04 de março de 2001, Toninho abre as portas do Palácio dos Azulejos como espaço público.
- 15 de março de 2001, Toninho anuncia a abertura da antiga estação como espaço público municipal.
- 10 de setembro de 2001, é assassinado Antônio da Costa Santos.
- 11 de agosto de 2002,a prefeita Izalene Tiene, o secretário de cultura Valter Pomar e os trabalhadores da Secretaŕia de Cultura inauguram a Estação Cultura, espaço público de cultura, educação, lazer e memória.
- 10 de setembro de 2004, Izalene Tiene, o secretário de cultura Valter Pomar e os trabalhadores da área de Memória e Patrimônio da Secretaria de Cultura inauguram o Palácio dos Azulejos - sede do Museu da Imagem e do Som, espaço público de memória e lutas sociais.

TONINHO ABRINDO AS PORTAS DO PALÁCIO

sábado, 17 de julho de 2021

Meus percursos pelas memórias de Campinas (1)

 

 
 
 
 




À convite da artista Andrea Mendes passei as últimas semanas às voltas com o acervo do Museu da Cidade, na organização da exposição OCUPAÇÃO ESCRITAS OCULTADAS.
Não foi a minha primeira atuação com ambas, nem com a artista, nem com a trajetória do museu.
A exposição é parte da publicização da pesquisa da artista sobre Adinkras, iniciada em 2017, que agora se propõe a realizar intervenções artísticas provocativas no acervo do Museu.
Como temos muitos anos de interlocução e colaboração fui convidada por ela a cuidar da curadoria e contribuir na reflexão sobre as relações entre gestos artísticos e musealização de objetos históricos.
Ambas entendemos a curadoria como diálogo entre saberes de campos que se iluminam.
Assim trabalhamos, com a arte iluminando a prática museal e vice-versa, e nos pusemos a campo para acessar os objetos expostos e os registros museológicos do acervo. Nesse caminho reencontrei um documento que registra meu trabalho como Diretora do Departamento de Memória e Turismo, entre 2002 e 2004: a página que abre os livros dos registros do inventário do museu. Os livros são resultado da reorganização completa do inventário do acervo, realizado em 2002-2004, dando sequencia ao que fora iniciado em anos anteriores. Todo este trabalho foi feito pela equipe do museu, com muito profissionalismo. Meu único papel foi garantir as condições institucionais e estruturais para essa ação.
Hoje, tenho muita alegria e orgulho de encontrar este trabalho e, como pesquisadora, usufruir de tudo o que ele possibilita para acessar o acervo e propor reflexões para continuar a pensar criticamente a história de Campinas.
Obrigada a toda equipe do museu e a Andrea, por me provocar a olhar para Sankofa: “nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás”

Duas faces de uma mesma disputa: Tour da Baronesa e o cercamento das ruas do Bairro Terras do Barão

 

 Sobre esses dois acontecimentos que marcaram a semana do aniversário de Campinas, gostaria de compartilhar algumas considerações.

 
 
O Tour da baronesa causou inquietações e críticas em alguns espaços das redes virtuais.
O Tour convida a população a pagar ingressos para assistir a apresentação de um roteiro histórico sob a condução de uma guia que interpreta uma personalidade histórica da aristocracia cafeeira, uma baronesa.
Portanto, tudo na divulgação leva a entender que a história da cidade será apresentada por um corpo, uma voz e modo de ser de uma classe social vinculada à aristocracia cafeeira.
Uma classe que teve seus privilégios extraídos da exploração do trabalho de milhares de negros escravizados e imigrantes europeus pobres.
À tal figura, que simboliza o poder econômico e cultural de uma classe, é dado o lugar de narradora da história da cidade na semana de celebração de seu aniversário.
Nada novo nesse roteiro, os detentores do poder econômico em Campinas há muitos séculos têm feito com grande eficiência suas celebrações. No traçado urbano, barões e baronesas, têm demarcado os espaços públicos da cidade com os nomes dos seus, garantindo a hegemonia cultural nas placas de ruas centrais, nos rostos expostos nos museus e nas maioria das publicações que celebram a história das cidades paulistas
O tour, portanto, é mais um evento cultural que tem caráter ideológico colonizado e colonizador, ao produzir e reproduzir um explícito discurso político que celebra uma classe social opressora e, mais uma vez, naturaliza mecanismos de poder que definem quem tem lugar e livre circulação nos espaços públicos e privados.
É mais uma manifestação das estruturas de poder que legitimam e perpetuam uma forma de organizar a vida cotidiana na cidade sob a lógica da segregação. Segregação dos corpos negros, pobres e periféricos, ou seja, todes que não se enquadram no padrão estético, politico, étnico, patriarcal e econômico, instituído pelas formas capitalistas de produção e periodicamente reafirmado pela celebração da propalada “modernidade do baronato campineiro”.
Vale ressaltar que não é a trabalhadora, que realiza a tarefa de guiar o tour, a responsável pelo viés ideológico do evento. Esse tipo de ação de turismo cultural tem origem nas relações mercantis que organizam a base material da atividade cultural, não só em Campinas.
É nesse ponto que devemos colocar nossas observações: as formas de organizar as relações sociais de produção, de financiamento, de participação e de controle social dos mecanismos de criação e circulação de arte/conhecimento/valores=vida.
Que relações existem entre este tour e o cercamento do Bairro Terras do Barão?
Muitas são as necessárias observações sobre as conexões entre esses dois eventos. Destaco algumas. 
 

 
 
 
Em primeiro lugar, nada mais naturalizado como lógico e mesmo necessário, na cidade cuja história é celebrada e apresentada por uma baronesa branca, que no Bairro Terras do Barão seja instalada uma cerca e uma organização espacial segregadora dos corpos desviantes de um determinado padrão instituído como produtivo e confiável.
Segundo, é que trata-se de um bairro em que o padrão econômico é alto, onde vivem famílias em condições economicamente totalmente acima da média regional, mas está longe de ser local de moradia dos grandes senhores do capital. Portanto, se ilude quem lá mora e julga estar na mesma posição social que o barão que deu nome ao bairro ou a baronesa que inspira o tour. Importantíssimo destacar que não há consenso na comunidade local, entre os moradores e usuários do bairro, pela opção do cercamento e os consequentes constrangimentos e segregações a uma parcela da comunidade e visitantes. 
O que se pode observar é que a difusão e celebração das lógicas culturais do baronato impelem à fragmentação e impedem a construção de perspectivas culturais afetivas e agregadoras. Assim, também, se contrapõe  à organização de formas solidárias de sustentação material/econômica das atividades culturais, ou seja, as não pautadas unicamente pelas regras do lucro mercantil.
Terceiro, o tour e a cerca são práticas de uma mesma cadeia de relações sociais antidemocráticas, classistas, racistas e patriarcais. São resultantes de formas de organizar a vida, portanto a cultura, focadas no desmonte de espaços e serviços culturais de caráter público, sem finas lucrativos, sem exploração do trabalho e abertos à participação popular.
Explico.
Há na aŕea de museus da esfera pública municipal trabalhos de grande competência e acúmulo em pesquisas e práticas educativas na organização de tours, que apresentam a história da cidade em toda sua diversidade e complexidade. São trabalhos realizados por servidores públicos comprometidos com uma abordagem científica crítica da memória social. O que tem faltado é vontade política de valorizar e ampliar esses trabalhos. Melhor dizendo, o que tem sobrado é vontade política de destruí-los.
No tocante a cerca, um dos focos do cercamento é também um Centro Cultural, um local onde trabalhadores da cultura, servidores públicos e ativistas de coletivos artísticos, organizam atividades de reflexão e desconstrução das artes colonizadoras.
Ambos exemplos são práticas culturais não mercantis de produção e circulação de conhecimentos artísticos e científicos, portanto, que desnaturalizam processos referenciadores da mercantilização da vida tão caros aos que hoje ajudam a manter as relações sociais que continuam a extrair do trabalho de milhares a riqueza que sustenta e beneficia a classe que se perpetua no poder há séculos.
Em resumo, o tour e a cerca evidenciam as disputas pelas condições concretas materiais que definem quem tem direito e o acesso livre à cidade como um bem cultural coletivo.
Da terra à estética, das ruas às redes, dos territórios aos conhecimentos, o centro da disputa está na construção de poder social amplo, diverso e verdadeiramente participativo nos processos de decisão do que é e para quem é a cidade como bem cultural coletivo.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Dossiê - O Protagonismo Indígena e Museu: abordagens e metodologias

 

 

Essa semana tenho vivido um daqueles momentos em que as práticas coletivas que construo mostram suas forças e, portanto, me fazem ser forte por que junto somos. Partilho aqui a publicação que participo coletivamente com Juliana Siqueira e Aline Zanata, sempre com a troca afetiva e firmeza de princípios de Marília Xavier Cury e a sabedoria raiz de Dirce Jorge e toda a força do povo Kaingang. Viva o Museu Worikg! 


 

 

v. 10 n. 19 (2021): Dossiê Protagonismo indígena e museu: abordagens e metodologias

Ensinamentos decoloniais do Museu Worikg e suas curadoras Kaingang Juliana Maria de Siqueira, Aline Antunes Zanatta, Sônia Aparecida Fardin

https://periodicos.unb.br/index.php/museologia/article/view/34580 


Casa dos Saberes Ancestrais

 
 

Com muita alegria faço parte desta tarefa coletiva que tem como desejo criar pontes entre sujeitos produtores de conhecimentos comprometidos com a vida, em seu sentido mais profundo. São muitos os agradecimentos, não darei conta de todos. Em especial agradeço à TC Silva, Denise Xavier, Layla África, tod@s que constroem a Casa de Cultura Tainã, Rosa Pires Sales e Poliana Sales Estevam pela confiança na construção conjunta da formatação das entrevistas que organizei, como membro da Casa de Cultura Tainã, com Mestre Alceu e TC Silva. Nas pessoas de Wenceslau, Renata e Herivelto registro meu carinho à toda equipe da universidade que se esmerou em esgarçar as fronteiras e romper as amarradas da institucionalidade. 
Um abraço afetuoso à todas as parceiras e parceiros que dedicaram tempo, afeto, energias e recursos pessoais para vencer os limites da pandemia e superar as dificuldades diárias que estamos sofrendo neste momento tão duro de isolamento e exercitar a resistência coletiva.
Com muita felicidade, convido todas e todos a se apropriar deste trabalho e discutir, debater, acrescentar e somar outros olhares. Enfim, dar seguimento ao que nesta publicação é o foco: agregar forças, acreditar na vida e na capacidade da nossa gente de resistir para realizar o novo e, junt@s, VENCER e construir um mundo mais do nosso jeito. 
 
Acesso todo o livro em:
 
 

 

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Thomaz Perina, centenário de um grande artista e excepcional ser humano

 


Thomaz Perina, em seu ateliê - 2009.Foto de Sônia Ap. Fardin
 

Essa semana é aniversário de uma pessoa que respeito e admiro, um amigo que já se foi faz alguns anos, sempre o recordo nessa data. Este ano em especial, pois marca o centenário de seu nascimento. Thomaz Perina, viveu e atuou como artista em diversas áreas da cultura visual, destacando-se como pintor. Um grande artista, um excepcional ser humano e uma referência cultural importante que tem sua origem social vinculada à memória da classe trabalhadora em Campinas. Nasceu em 23 de maio de 1921 e faleceu em 28 de novembro de 2009, na cidade de Campinas, São Paulo. Embora algumas publicações apresentem 1920 como o ano de nascimento o correto é 1921. Também há divergências em algumas publicações que indicam o dia 25 de maio e outras o dia 23, sendo este último o indicado por ele como o correto.

Era filho dos imigrantes italianos Amilcare Perina, originário de Roverbella, província de Mântova, e Angelina Viduani, nascida em Marchiano, província de Arezzo. Amilcare e Angelina chegaram ao Brasil em 1894 e foram trabalhar na lavoura de café na região de Mogi Guaçu (SP), onde se conheceram e, em 1907, se casaram, onde também nasceram os primeiros filhos. Anos depois, mudaram para Campinas, cidade em que nasceram os caçulas e gêmeos, Thomaz e Virgínia. Em meados da década de 1920, a família passou a morar na Vila Industrial, em uma casa modesta situada na rua Carlos de Campos. O pai do artista trabalhou por décadas na empresa de ferragens McHardy, e nas horas de folga, tocava pistão na Banda Ítalo Campineira e levava a família para participar das festas e cerimônias da igreja e brincar no carnaval de rua. Em 1928, Thomaz Perina iniciou o curso primário na Escola Paroquial São José, que ficava nas dependências da Capela de São Roque, na Vila Industrial.

Thomaz Perina atuou ininterruptamente como artista plástico entre 1945 e 2009, conquistou importantes prêmios, em salões e mostras em várias cidades brasileiras. Sempre morando e trabalhando na casa-ateliê da Vila Industrial, sua imagem esteve ligada à própria imagem da Vila. Nesta Vila, tornou-se uma das mais conhecidas e respeitadas personalidade das artes visuais e da vida cultural campineira, na segunda metade do século XX. Foi protagonista em vários grupos culturais da cidade, além de colaborar com instituições públicas no campo das artes visuais, da memória e da produção cultural. Tudo isso resultado de muito trabalho e pesquisa. Sua produção artística é vasta, suas criações expressam a capacidade de extrair da experiência prática a radicalidade dos conceitos e de expressá-los artisticamente com uma emoção inquietante, tanto nas obras acadêmicas como nas abstratas. Mas, não vou me ater aqui à grandeza e a extensão de sua trajetória artística, pois não é possível apresentá-las devidamente nesse breve espaço.

Hoje quero falar um pouco da grande figura humana que conheci. Fui apresentada a ele no final dos anos 1990, por uma amiga em comum, Dayz Peixoto, que já havia pesquisado e documentado sua consagração como artista. Nossa amizade se consolidou durante o período que dirigi o Departamento de Memória e Turismo, especialmente por ocasião do Projeto Artista de Sempre realizado pela equipe do MACC (2002/2004) e também quando colaborei com Dayz na finalização da produção de um ensaio biográfico sobre ele (2005). Sou grata a Dayz por ter me apresentado ao artista, por ter trabalhado com ela na produção da publicação do ensaio de sua autoria, assim como aos familiares de Thomaz Perina que criaram o Instituto Thomaz Perina com o qual tive a alegria de colaborar de 2007 a 2010 em várias ações, inclusive em um video documentário (citado abaixo).

Nestes trabalhos, principalmente os realizados juntamente com Perina, tive um profundo aprendizado sobre a história das artes em Campinas. Também, em especial, sobre as contradições de uma sociedade que celebra e mitifica criadores de obras de artes, mas apaga os processos sociais e as histórias reais que envolvem seus realizadores.

Não é exagero afirmar que uma das principais marcas da atuação de Thomaz Perina foi a sua convicção da presença da potencialidade artística em todos os seres humanos e em todas as práticas criativas. Assim, ele não pactuava com hierarquias de saberes e, principalmente, com nenhum tipo de preconceito. Com esta convicção, enfrentou os limites da faceta meritocrática da sociedade que não reconhece os saberes dos oriundos da classe trabalhadora e, a seu modo, encarrou as contradições de uma cidade cheia de barreiras sociais. Com sua capacidade de trabalho e sensibilidade humana soube construir relações solidárias, profissionais e familiares, e um significativo círculo de amigos e parceiros. Seu caráter e talento, forjados em espaços coletivos dedicados às técnicas e experimentações criativas, possibilitaram seu acesso à diversas formas de atuação profissional no campo das artes; o que garantiu uma sobrevivência material singela, a inserção de suas obras em instituições públicas e coleções particulares e, também, a realização de ações de memória para registrar e celebrar sua trajetória e a de muitos de seus parceiros. Dentre estas ações, merecem registro especial, um ensaio biográfico, a documentação em vídeo de seu ateliê, a organização de seu acervo em coleções, a criação de uma instituição para preservar e para dar acesso as suas obras e uma tese de doutorado (citadas ao final).

Por tudo isso, em Campinas, Thomaz Perina tem uma importância central na memória social do campo das artes visuais. O que destaco é que Perina viveu e atuou no período em que os artistas e seus espaços de viver e criar passaram a ser alvos de uma significativa produção de documentação e exposição midiática. Neste contexto, Thomaz Perina, como os grandes artistas de seu tempo, soube encarnar a imagem mítica do artista, articular uma trajetória pública e emular um projeto de memória, sem jamais negar suas origens. Seu ateliê na Vila era, para muitos, um local de visitação e busca de orientação. Assim, sem dúvida, foi uma grande referência para toda uma geração de artistas visuais. Com grande empenho trabalhou e recebeu amigos até pouco antes de falecer. Foi uma das pessoas públicas mais gentis e generosas que conheci, absolutamente afetuoso e aberto ao diálogo, sem nunca esquecer de exercer a autoestima necessária para não se deixar abater pelas adversidades. Assim como, também, não se deixar iludir pelas vaidades das celebrações efêmeras.

Para homenageá-lo eu poderia falar muito mais de sua trajetória como artista e como pessoa pública, que são temas que estudei. Mas, como disse, hoje quero lembrar do ser humano que tive a oportunidade de conviver em muitos momentos de alegrias, entusiasmos, celebrações, debates, inquietações, incertezas e esperanças. Enfim, celebrá-lo como uma pessoa muito especial e querida, para mim e para muita gente. Hoje quero reviver os momentos de intensos diálogos nos jardins da casa, nos dias de trabalhos em seu ateliê, nas muitas conversas partilhando a sopa do final da tarde na cozinha da casa, falando de músicas, filmes e das noticias do dia.

Perina, caro amigo, sei que há muito o que dizer a seu respeito neste seu centenário, mas, singelamente, quero lembrar de você brincando e cantarolando Piazzolla, sempre com uma mensagem singular ao usar poucas palavras para dizer muito.


Sônia Aparecida Fardin


Trabalhos citados:

CASSOLI, Camilo. Eu quero o mínimo pra falar – Trajetórias de Thomaz Perina: documentário. Direção: Camilo Cassoli. Pesquisa: Sônia Aparecida Fardin. Produção: Timbro Filmes e Instituto Thomaz Perina. Produção executiva: Rodrigo Aguiar. Montagem: Camilo Cassoli e Rodrigo Aguiar, Gravado em 2007 e editado em 2009. (29 min), son. color. Apoio. CPFL.

FARDIN, Sônia Aparecida. Escrita de si, escrita do outro: os procedimentos do artista Thomaz Perina em seu livro-arquivo e sua casa-ateliê. Unicamp- IA, Campinas/SP 2016. Tese de doutorado. Orientadora Profa. Dra. Iara Lis Franco Schiavinatto.

FONSECA, Dayz Peixoto e SILVA, José Armando Pereira da. Thomaz Perina: pintura e poética. Campinas: Pontes, 2005.

FONSECA, Dayz Peixoto. Grupo Vanguarda (1958-1966). Museu da Imagem e do Som de Campinas. Campinas: Prefeitura Municipal de Campinas, 1981.

FONSECA, Dayz Peixoto. Sem título, 16 mm, 20 min, 1979

 

Publicado também em Carta Campinas

 

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Você conheço o Semba?

 


 
 

 


 
Penso que desfile de Carnaval é um tipo de museu brincante produzido coletivamente por sujeitos que expressam criativamente memórias e sonhos sob a forma de músicas, danças, figurinos e múltiplas artes visuais. Um cortejo festivo, ato máximo de um largo processo de trabalho, somatória de corpos-territórios criadores e criaturas da arte, da história e do desejo de brilho. Como já disse o poeta russo e um nosso baiano tropicalizou: Gente é pra brilhar, não para morrer de fome. 
Por isso, nesses tempos pandêmicos, sem desfiles, faço um convite para uma visita ao site do artista visual e sambista campineiro Aluízio Jeremias http://aluizio.taina.org.br/sobre-aluizio/
As obras pictóricas de Jeremias, iluminam parte significativa dos corpos-memórias-territórios da cultura carnavalesca da primeira metade do século XX em Campinas, destacadamente de matriz africana. São criações especialmente produzidas para o Projeto Semba, organizado em 2012 pela Casa de Cultura Tainã, com curadoria de TC Silva.
O Projeto Semba foi uma ação de re-existência da cultura negra, pela recriação pictórica de personagens, espaços e práticas culturais de grupos sociais oprimidos pela lógica cultural capitalista que, nos anos 1950/1970,  por meio da reurbanização orquestrada pelo capital imobiliário causou a desestruturação de territórios e comunidades tradicionais afrolatinoamericanas.
Nesse processo, parte das memórias sonoras e visuais do samba e do carnaval popular foram desarticuladas e uma face musical embranquecida e europeizada foi privilegiada nas publicações oficiais da cidade.
O trabalho artístico de Jeremias tem como matriz suas memórias de menino encantado com a cultura do povo negro, que pulsava nos casebres e cortiços do baixo Cambuí, antes da gentrificação. Seus quados iluminam faces da classe trabalhadora que construiu as modernidades da cidade capital do café, mas não teve direito de usufruí-las. Jeremias nos ensina, com suas cenas de desfile-museu-brincante, parte da história dos negros da cidade.
O artista Jeremias, também um corpo-memória-território-vivo, em suas pinturas e em muitos de seus sambas deu carnatura aos territórios, às faces, à gestualidade e à sonoridade de uma parcela da população que não era reconhecida como sujeito da memória e como parte do mapa cultural da cidade, em especial nos campos das artes visuais e dos museus de arte.
Sem dúvida o Projeto Semba, iniciativa da Casa de Cultura Tainã, foi uma significativa ação contra-hegemônicas no campo das artes plásticas e da museologia social em Campinas, pois viabilizou a realização dessas imagens e as levou para exposição no Museu de Arte Contemporânea de Campinas na Casa de Cultura Tainã, na Casa de Cultura Fazenda Roseiras e no Museu de Imagem e e vídeos sobre o artista no Som de Campinas. As ações do Projeto estão documentadas em https://tainamemoria.taina.net.br/.../dom.../projeto-semba ,http://aluizio.taina.org.br/
Fica a dica, caia na folia das redes da resistência nesse Carnaval.
 
Obs: Texto escrito em fevereiro de 2021.

Produções audiovisuais – autoria, coautoria e pesquisa




Acesse meus vídeos


Nair Benedicto - InQUIETAmente

Documentário em vídeo.

Duração: 15 min. N-Imagens, Brasil, 2020.

Roteiro de Nair Benedicto

Direção e edição: BENEDICTO, Nair; FARDIN, Sônia A.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f3sOBJI2uoE

 

Nair Benedicto - Depoimento para o Projeto Arte e Diálogo na Quarentena

Documentário em vídeo.

Duração: 08 min. N-Imagens, Brasil, 2020.

Roteiro de Nair Benedicto

Direção e edição: BENEDICTO, Nair; FARDIN, Sônia Ap. Fardin.

Local da estreia: Museu Nacional de Belas Artes, RJ.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MbO2XedjuY

https://www.facebook.com/watch/?v=775276413208319

 

MEMÓRIA VIVA KAINGANG - Kujã Dirce Jorge - Museu Worikg

Documentário em vídeo.

Duração: 29 min. , Brasil, 2019.

Direção e edição: FARDIN, S. A.

Disponível em: https://youtu.be/xq_DA8aUtDQ




MUSEU WORIKG - ENCONTRO DA REDE DE MEMÓRIA E MUSEOLOGIA SOCIAL/SP.

Documentário em vídeo.

Duração: 29 min. , Brasil, 2020.

Direção e edição: FARDIN, S. A.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EwoyVIeh0KU



Ciranda da Memória – museologia social

Documentário em vídeo. Duração: 29 min. Museu da Imagem e do Som de

Campinas, Brasil, 2016.

Direção e edição: FARDIN, S. A.; SIQUEIRA, J. M. (coautoria)

Local da estreia: Mostra Luta - Museu da Imagem e do Som de Campinas.

 


 

João Zinclar, a imagem militante

Documentário em vídeo. Duração: 29 min Campinas.Museu da Imagem e do Som

de Campinas, Brasil, 2013.

Direção e Pesquisa: FARDIN, S. A.; BUONICORE, A.; TOLEDO, O. A.; RICHTER, L.; SILVA,

M. (coautoria)

Local da estreia: Museu da Imagem e do Som de Campinas.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KYD95zhe1f0

 


 

Toninho abrindo as portas do Palácio

Documentário em vídeo. Duração: 6 min. Museu da Imagem e do Som de

Campinas. Campinas, Brasil, 2013.

Direção e edição: FARDIN, S. A.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T14q9CAlzRo



Eu quero o mínimo pra falar - trajetória de Thomaz Perina,

Documentário em vídeo. Duração 29 min. CPFL Cultura: Campinas, Brasil,

2009.

Direção: CASSOLI, C.

Pesquisa: FARDIN, S. A

Produtora: Timbro Comunicação e Instituto Thomaz Perina.

Disponível em: https://vimeo.com/138866441


Exposições - curadoria e pesquisa


Evento: Autodeclaração, Samuel Pérsio

Curadoria e Pesquisa: FARDIN, S.

Instituição promotora: Estação Cultura - Campinas.

Tipo de evento: Exposição de artes visuais

Data: 19 de setembro a 12 de novembro de 2018.

Local: Estação cultura Campinas

Cidade do evento: Campinas, Brasil

Ver mais em: http://samuelpersio.art.br/


Evento: João Zinclar, a imagem militante

Curadoria e Pesquisa: FARDIN, S. A.; BUONICORE, A (coautoria)

Instituição promotora: Museu da Imagem e do Som de Campinas.

Tipo de evento: Exposição fotográfica

Data: 15 de outubro de 2013.

Local: Museu da Imagem e do Som de Campinas.

Cidade do evento: Campinas, Brasil


Evento: Retratos de Perina: olhares sob a forma de arte

Curadoria e Pesquisa: FARDIN, S. A. (autoria)

Instituição promotora: Instituto Thomaz Perina

Tipo de evento: Exposição fotográfica

Data: março de 2010

Local: Instituto Thomaz Perina

Cidade do evento: Campinas, Brasil


Evento: Eu quero o mínimo pra falar - trajetória de Thomaz Perina

Curadoria e pesquisa: FARDIN, S. A. (autoria)

Instituição promotora: Instituto Thomaz Perina e CPFL Cultura

Tipo de evento: Exposição de artes visuais

Data: 06 de janeiro de2009

Local: CPFL Cultura

Cidade do evento: Campinas, Brasil